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Ele passou por mim. Eu andava tranquilamente sem nada esperar - ultimamente eu apenas caminho sem fazer muitos planos. Assim, o vi: o cabelo estava diferente, o olhar despreocupado e a barba por fazer. Ele usava uma camisa que eu dei em algum dos nossos muitos aniversários juntos. Sentei, resolvi observar e imaginar o que poderia ter sido, já que tenho mania de mergulhar na dor e sentir por dentro com toda a força que ela puder me arrebatar. Nunca fui de evitar, nem disfarçar. 

Observei e vi que, na verdade, príncipes não existem:somos todos pessoas normais, que às vezes, quando somos compreendidos, somos reflexo reluzente do amor de quem nos compreende, acolhe e escolhe nos amar. Antes, eu o via como o sol, meu Sol e estrelas. A admiração do amor anuviava tão forte em mim, que eu não conseguia pensar bem sobre aquela relação, estava absorta demais para isso. Então, sentada, enquanto eu o observava, me permiti a, finalmente, pensar claramente. Afastar-se aumenta a perspectiva e foi afastando-me que, provavelmente, pela primeira vez eu o vi. Um cara normal, que tinha quase todos os detalhes que eu não gosto em alguém, e eu o amei. Ainda não consigo entender como o coração faz esse tipo de coisa com a gente, eu que costumava ser tão coerente e clara em tudo o que desejava mas, com ele, abri mão de todos os meus planos singulares, me deixei ser parte de um plural: me anulei. Eu, tão feminista  e adepta da liberdade dos direitos iguais, me deixei amarrar numa relação que me destruiu ao ponto de que, ainda hoje, eu não veja como me refazer. 

Olhei pra ele, olhei pra mim e tentei contar em quantos pedaços me quebrei;  em quantos pedaços toda essa história me quebrou, perdi as contas. Minha expressão era calma, minha cabeça era um nó, tentando juntar meus pedaços. A vontade era de desabar ali, deixar que meus pedaços caíssem no meio de todo mundo, naquela festa que, de tão afetada, eu nem sabia mais onde era, ou porque eu tinha ido. A vontade era a de gritar pra ele e perguntar todos os porquês, perguntar se ele não consegue ver o que está fazendo, o que ainda está causando em mim. A vontade era de entender, eu não entendo.

Observei mais algum tempo, agradeci profundamente. Eu fui devastada, fui e ainda estou - esfacelada demais, sem condições de construir relações por um tempo. Mas sou grata. Grata porque me livrei de um futuro que não era meu, escapei de uma vida que eu nunca desejei. Quase caí na armadilha de viver no morno, na quietude, mas não me adiantaria sossegar por fora: eu sempre carreguei aqui dentro um coração inquieto e uma coragem que, apesar de tudo, ainda me engole inteira.  Ali, o observei e agradeci a dor que eu ainda sinto - um ano depois. Dor que sinto e parece que ela ainda vai me acompanhar por muito tempo, mas eu já estou aprendendo a lidar e seguir.

Talvez a tal compreensão do amor que cabe em mim, e que me cabe, não me visite;  mas eu vou seguir;  porque o meu amor sou eu, eu me escolho. Me escolhi um ano atrás e me escolho novamente hoje enquanto te vejo passar, como um desconhecido por mim, logo você que foi meu primeiro em tudo... Tantos quilômetros, planos, cartas, fotos, que até hoje não consegui descartar todas essas lembranças de você, além de todas as que eu ainda carrego aqui dentro. Dói. É o tipo de dor que eu não imaginei passar, eu nunca imaginei sentir isso que ainda sinto. Mas agradeço, pois agora, com calma, eu vejo que você definitivamente nunca foi o meu futuro.Com essa compreensão, segui olhando para quem, por muito tempo, achei que seria meu futuro e, de repente, ele me viu. Nos olhamos. Foram cinco segundos de desconhecimento total entre duas pessoas que se conheciam há tanto tempo. É, acabou.  


(Cantora, compositora, professora de história, poetisa e defensora do amor, nossa colaboradora fiel, mais uma vez nos dá o ar de sua graça)

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