A primeira vez em que eu vi Deus, eu tinha três anos de idade. Talvez, possa até ter visto antes mas foi só ao três anos de idade que percebi. Minha mãe, grávida de uns seis meses, portava uma barriga que parecia evoluir para a explosão: crescia a cada segundo que se passava. Eu, agoniada, a questionei sobre como aquilo poderia ser possível e ela, calmamente, me respondeu com: são coisas de Deus, minha filha. Foi assim, olhando para a barriga estufada dela, que vi Deus pela primeira vez. Era de uma presença tão verdadeira que eu queria ficar perto da barriga dela para estar mais perto de Deus. Só quando a bebê nasceu e minha mãe apareceu viva, sem nenhuma explosão, quase tão magra quanto antes, foi que percebi: Deus não estava só na barriga dela, mas também estava lá.

Aos quatro anos de idade, já via Deus com muita frequência: na risada da bebê, no jogo de pega varetas que meu irmão me dera, nas músicas que minha mãe cantava para mim, no cachorrinho da vizinha e no dia de folga do meu pai. Era tudo bem simples, Deus era o que me fizesse bem. Ninguém havia me dito isso; ninguém havia me ensinado nada, nem me doutrinado. Era um sentimento simples e fluido que nascera dentro de mim, sem juízo de valor. 

Depois, a vida foi acontecendo e conheci o que, para mim, não era Deus: a dor, a fome, a miséria, o choro, a violência e o medo. Foi mais ou menos aí que me disseram: tudo isso acontece porque Deus está lá longe, no Céu, e para falar com ele, temos que rezar. Rezei. Pedi, perguntei, roguei, questionei, implorei. Me disseram: prece válida é feita na igreja. Fui e não posso negar: encontrei com Deus também lá na igreja. Também na igreja, mas não só. Mas, na hora, não percebi e, de tão grata pelas maravilhas que tenho, caí na vaidade de querer agradar Deus - acreditei quando me desenharam o Deus-Homem, substantivo masculino, que quer ser agradado, que pune e se decepciona. Temi: Deus é que me livre decepcioná-lo, pensei. Já nem era por amor, eu não queria ser punida, afinal, quem é que quer? Perdi minha afinidade com Deus quando comecei a Temer.

Nos dias que passei prostrada, ajoelhada, tentando ouvir Deus, nada ouvia. Me martirizava: não estou me empenhando o suficiente, Deus não quer falar comigo. Eu ouvia muitas coisas, mas nada de Divino. Ouvia vozes de pessoas: algumas pedindo ajuda, algumas querendo conversar, algumas afirmavam ter algo a me dizer, algumas queriam me ver. Não queria ouvi-las, queria ouvir o que fosse Divino. Tolice. Eu quis que Deus gritasse comigo, aparecesse como uma entidade vestida de branco, ao invés disso, me sussurrava através das pessoas que eu não queria ouvir, dos lugares aos quais eu não dava atenção, da Chuva e do Sol. De egoísta que sou, não percebi. Vez ou outra a gente se perde dentro de si mesmo.

Mas eu nunca fui punida. Nem pelas vezes que não rezei, nem pelas vezes que rezei pouco, nem pelas vezes que maldisse alguma coisa e nem pelas vezes que feri alguém "em nome do amor". Quando cometi atos de desamor (comigo e com o próximo), não fui punida, somente recebi desamor de volta: colhi o que eu mesma plantei. Deus não me puniu, continuou lá, sendo atemporal, me guiando, me sendo chuva, me sendo Sol, me sendo amor. Continuou me sendo a chama de Vida que pulsa em minhas veias, nas noites mais tortuosas. Continuou me sendo Sol nas várias manhãs que tive após cada pior noite da minha vida. Sempre. Sem me cobrar nada, sem me julgar, sem me invadir, sem olhar o que visto ou o como está meu cabelo, sem me oprimir, sem me ferir. Continuou sendo Deus.

Hoje, vejo e sinto Deus em várias coisas, cheiros, pessoas, lugares e formatos. Vejo, por exemplo, quando me levanto todos os dias, com olheiras profundas, mas com a esperança de que o dia seja melhor que o anterior - para mim e para o mundo. Sinto Deus, na minha própria esperança que, mesmo tendo todos os motivos para ser estilhaçada todos os dias, continua viva. Sinto Deus no amor que sinto pelas pessoas que nem conheço e pelo amor que ainda sinto pela pessoas que me atacam, sem esperar nada em troca. Digo tudo isso mas preciso dizer que: eu não faço ideia do formato certo de Deus, do rosto de Deus - eu nem acho que exista um. Mas eu sei exatamente onde encontrar Deus: em qualquer lugar e onde houver amor.

Com amor, Ane Karoline.

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