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O mundo é muito barulhento, meu bem, é por isso, que nem sempre eu venho te ver. Faz alguns meses que mal consigo ouvir as vozes dentro da minha cabeça, sempre que me sento para tentar ouvir, aparece logo alguém com algum assunto, alguma reclamação, algum pedido. Não há como ignorá-las, minha natureza pede que eu as escute com ternura e atenção, então, me calo e escuto tudo que têm para me dizer, sinto que devo fazer isso: ouvir as pessoas, lê-las, desvendar o que elas querem me dizer por trás do que elas estão me dizendo. As pessoas me dizem tantas coisas o tempo inteiro que eu acabo nem vindo ver você. Não me dizem nada ao seu respeito, nem sobre mim falam também, elas falam sobre elas mesmas e eu preciso ouvi-las, você entende?  Elas veem em mim o local para depósito das palavras que ninguém quer ouvir, mas eu ouço com atenção, ouço cada palavra com muita solicitude, coleciono as palavras delas, mas depois fico cheia; transbordando, por isso eu sumo: preciso me esvaziar das pessoas para me encher de mim.

Talvez te doa isso, te dói? Se dói, perdoe a minha forma abrupta de sair assim sem avisar, sem deixar bilhete, sem deixar telefone e nem endereço. É que não me dói estar sozinha, para mim, é uma dádiva, é minha fotossíntese, eu preciso disso, meu bem. O mundo é um barulho só, um barulho louco, uma balbúrdia desenfreada e, veja só, eu também o sou. Não é nada com você, sei que você queria ir ao cinema, sei que você queria me ligar, sei que você queria olhar para mim, mas eu preciso me organizar, preciso me esvaziar para me encontrar.

Hoje, finalmente, o domingo chegou e, ao acordar sozinha, senti a plenitude de quem sabe que não verá ninguém hoje. Tem tanta coisa acontecendo dentro de mim, como eu poderia ver alguém? Como poderia eu ousar estar com alguém no exato momento em que não posso estar inteiramente nem comigo mesma? Não posso, não posso não. Se estou com você, se vou te ver, se te ligo, se te ouço, sou toda tua, me esqueço de tudo, me afasto de todos, me faço cem por cento presente, cada célula do meu corpo está alerta, cada respiração minha glorifica o momento presente de estar com você; então, como poderia eu estar totalmente presente, ser totalmente sua, se nesse momento não sou totalmente minha? Pois bem, as primeiras coisas devem vir em primeiro lugar e a primeiríssima delas é ser totalmente minha. Nesse domingo eu sou mais uma pessoa, dentre tantas, que acorda sozinha; me espalho na cama espaçosa, penso em tudo que já fiz e tudo que ainda planejo fazer, ando de toalha pela casa inteira, sem ninguém para me questionar. Nada no mundo, e isso eu posso lhe afirmar, me poderia hoje ser mais reconfortante que o silêncio dos barulhos que não estão relacionados a mim: um monte de gente, em toda parte, conversando com um punhado de gente e ninguém falando comigo, ninguém para interromper meus pensamentos e devaneios, ninguém para irromper minha bolha contemplativa e meditativa nesse domingo.

Quando consigo, então, pensar em tudo; colocar todos os meus livros organizadinhos por cor; lembrar do que me é importante e dispensar o que for dispensável; penso em você. Chegando a esse ponto, sei que estou pronta para ver você, me lembro da afetuosidade com que você me falou não gosto de quando você se isola e se afunda em solidão, me lembro de como achei doce sua inocência. Eu sou uma criatura só, meu bem. Mas não agonie seu coração, eu vivo a glória de estar só e ela se chama solitute, não solidão.


com amor, 
Ane Karoline
- texto do desafio de 24 textos em 24 horas

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