"Morreu afogado em suas próprias lágrimas"

      Hoje foi um daqueles dias. Não deveria, mas foi. Não temos controle sobre quando essas coisas vão acontecer. Quando tudo aquilo que estávamos sentindo não consegue mais caber no peito e escorre, de todas as formas possíveis. Trazem reflexões que apenas o silêncio e a escuridão são capazes de trazer. Hoje ela me trouxa uma epifania que doeu como ser atingido por um raio. Eu sei me cuidar muito bem sozinho, mas eu não gostaria de precisar.
     Sim, eu sei cozinhar o bastante para não morrer de fome, sei ir ao mercado e comprar algo se a situação estiver crítica. Sei me banhar, sei lavar minhas roupas, limpar o meu quarto e lavar meus sapatos. Sei fazer minha barba, tomar meus remédios e organizar minhas coisas. Sei fazer meus trabalhos e deveres, pagar minhas contas e cuidar dos meus animais. Mas como eu queria fazer isso apenas por prazer, não por obrigação.
     Receber aquele carinho que é quando alguém cozinha para você, ou simplesmente te deita no colo e te deixa assentar. Saber que se não der pra fazer tudo sozinho, tem alguém lá pra te dar uma força. Que se a vida adulta bater muito forte, você pode chamar alguém para assoprar a ferida. Colocar a cabeça no travesseiro com a segurança de saber que não está sozinho e desamparado. Que se você mexer demais durante a noite e a coberta cair, alguém vai te cobrir de novo. Saber que se tem alguém; que se é de alguém.
     E o que se faz quando não se tem é tentar fingir que está tudo bem. Fazer o que der, mesmo que isso tire seu sono, até por que dormir sabendo que se está só não tem mais tanta graça. Cozinhar para si mesmo, ainda mais se tiver que comer sozinho, é o maior matador de apetites. E quando tudo mais é feito seguido pelo silêncio que nem a música é capaz de afastar, aprendemos a conviver com essa ausência. Ela ocupa um lugar real. Esta sentada na cadeira vazia, de frente para a sua, à mesa. Esta deitada ao seu lado na cama fria da noite escura. Está ali na roupa suja, que você não teve tempo de lavar, e que a solidão também não lavou.
     Mas você tem que lidar com isso sozinho. Ninguém deveria ouvir seus problemas, afinal eles também tem os deles para lidar. Incomodar. É seu maior medo. Já que a solidão não é algo que se consiga fazer sozinho. Ela é feita pelo amigo que não te liga ou te responde. Pelo outro que só tem tempo para a namorada. Para aquela que precisar estar sempre na igreja, ou para a outra que só tem olhos para o celular. Ninguém fica sozinho por conta própria. O nome disso é abandono. Hoje em dia ele vem disfarçado por outros nomes, como por exemplo "frescura", "drama" e vários outros.
     E, para não precisar ouvir que seus sentimentos são infantis ou pura chantagem emocional, você sorri e finge que está tudo bem. Um sorriso para mentir que está tudo bem, outro para dizer que as coisas estão ótimas no trabalho, mais um para convencer de que a vida amorosa está excelente, ou que nunca esteve tão bem. Tantos sorrisos forçados que seu rosto trava e você acaba se acostumando a mentir.
     A verdade é que eu sei muito bem me cuidar sozinho, mas prefiro me cuidar com você. Só que você não me vê, e ainda espera lembrar de mim...Só que a sua memória sempre foi péssima.

Adolfo Rodrigues

2 Comentários

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