imagem: weheartit.com

Hoje acordei atrasada, cansada depois da fatigante tentativa de escrever na noite anterior. Eu queria muito escrever, estava inspirada a escrever alguma coisa sobre a humanidade ou sobre algum desses sentimentos intensos e confusos demais que carrego dentro do peito - e que parecem me sufocar. Não consegui escrever nada, apesar de todos os esforços continuei sufocada enquanto olhava um montinho de folhas amassadas se formando chão do quarto. Me afoguei em um marzinho pessoal de frustração. Acordei cansada e atrasada. Não pude, e nem quis, comer nada antes de sair de casa. Meu insucesso martelava em minha cabeça, como uma enxaqueca. Mas meu estômago reclamou e decidi fazer uma daquelas passagens relâmpago pela padaria: "Um café, sem açúcar. Obrigada. Tchau." Nem, sequer, vi quem me atendeu. No primeiro gole, senti o gosto doce do café adoçado. Rodei nos calcanhares para reclamar. "Você pode me ajudar!", ouvi alguém dizer e percebi que era comigo. Uma senhora, com aproximadamente 1,40 M de altura, me olhava com um sorriso vacilante de quem se desculpa. Olhei-a e a vi. O impulso primeiro não foi o de ajudar, olhei por estar intrigada com a fala dela que, claramente, não era uma pergunta. "Não vai te tomar grande tempo não". Hesitei. Atrasada, cansada, sem paciência. Mas aceitei e a segui para uma das mesinhas de plástico da padaria, onde ela me explicou a tal ajuda. Por mais inusitado que pareça (para mim foi), ela me pediu uma carta. Não para ela, para um filho.
Ela havia me visto anotando coisas em um bloquinho - como me é de costume - e, precisava de alguém para ajudá-la. Uma senhora, com rugas precoces de preocupação, com  uma pele queimada pelo Sol e muito mais magra que os meus 50 kg. Uma senhora analfabeta. Uma senhora fisicamente mais fraca que eu, mas que carregava a força e a firmeza no olhar que eu tinha deixado nas folhas amassadas no canto meu quarto. Uma senhora com o dobro da minha idade e com o dobro do meu vigor. Percebi tudo isso enquanto a ouvia resumir a história em, aproximadamente, três minutinhos já que, como me dissera, também estava com "tempo curto". Anotei tudo, fascinada. O café, doce demais, de repente me pareceu ótimo. 
Acabei substituindo o pedaço de uma folha surrada, que ela me dera para escrever a carta, por um papel de carta - um dos quais sempre carrego comigo. Não cabe a mim expor aqui a história dela mas posso dizer que era urgente: a amiga de uma prima, que levaria a carta até o filho, nos esperava próxima à padaria. Era urgente porque aquela senhora, sentada diante de mim, não sabe ler e nem escrever e que quer dar ao filho - alfabetizado, criado pela prima - algo palpável para que ele se lembre dela e pense nela como alguém que consegue enviar uma carta. 
Pode ser engraçado para você. Pode ser totalmente diferente da sua realidade e provavelmente é. Mensagens podem ser enviadas a qualquer momento, sem precisar que uma pessoa leve uma carta amassada à outra. Uma carta amassada, provavelmente, não tem nenhum valor para você. E para mim também tinha deixado de ter. E, provavelmente, por isso não consegui escrever na noite que antecedeu a esse acontecido.
O que aconteceu foi isso: transpus o que ela me disse para o papel, dobrei, fiz um envelope de origami, fechei-o com um adesivo de coração e entreguei à ela. Eu escrevi. Derramei todo o meu amor, todo o sentimento engasgado em meu peito naquela folha. Respirei. Ela me agradeceu, apertando minha mão com firmeza e disse que não tinha como me pagar por isso mas que a vida ia me dar um retorno. Eu sorri e disse que não havia o que agradecer. Eu é que deveria agradecê-la. Mal sabe ela que o meu retorno era ela.


Gastei tudo o que me restava em energia para escrever e não consegui. No dia seguinte, a luz se fez. Escrevi. Esse impulso de escrever, para mim, é o que me faz respirar. Quando escrevo, existo. Por isso, fico muito feliz em fazer parte de um projeto lindo: Clube das cartas. Caso queira saber mais, basta entrar no Blog da Hida e se inscrever! Afinal, o que é que te faz existir? 


Ane Karoline

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