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Venho toda acanhada, sem jeito, vacilante e turva porque não sei muito bem como dizer o que eu tenho, com tanto empenho, evitado dizer. Venho dizer, mas escolhi dizer baixinho - que é mais para por para fora que para ser ouvida. Escuta aí, você, minha voz sussurrando. Espero que escute. Você se lembra da minha voz? Se não se lembra, tenta lembrar daquele dia que te contei aquela história; a minha. Se não conseguir lembrar mesmo, imagina. Imagina minha voz sussurrando, como quem tem um bebê dormindo em casa e teme acordá-lo. Imagina minha voz, bem baixinha, dizendo isso que eu tenho evitado dizer: eu tenho medo. 

Foi por isso mesmo que eu não disse antes, por medo. Logo eu, logo eu, logo eu. Não disse antes, sabe por quê? Por medo de cair em um buraco sem fundo, medo de não ter quem quer que fosse para me içar de lá. Se sou eu que iço os outros, imagina só, como é que eu poderia me permitir ao luxo de ter medo? Imagina só se eu ia lá cair nesse buraco sem fundo que eu achava que era o medo. Não podia. Por isso mesmo foi que o escondi, dobrei bem dobradinho e coloquei no fundo de uma gaveta trancada. Não queria ver o medo e nem queria que alguém o visse; por isso, não disse. Mas acontece que não dizer, não impediu o medo de fazer a morada que fez; construiu mansão em mim. Medo de cair, medo de tropeçar, medo daquelas pedrinhas que seguram a barragem na beira da pista, medo de apendicite, medo do estalo da madeira a noite, medo de não ter dinheiro do almoço, medo de um avião precisar pousar no meu quintal, medo de não ter mais um quintal, medo do moço que entra no ônibus e me olha, medo da censura. Me censurei, por medo. Achei que, se dissesse, se revelasse minha insônia por medo, cairia em um buraco. Agora, falei tudo e: não caí.

Está certo que falei meio sem querer, falei porque a verdade escorreu de mim. Escorreu de mim como eu mesma me escorro todos os meses. Escorreu como escorreram as lágrimas no rosto do rapazinho, quando achou que a mocinha morreria aos dezessete anos. Escorreu de mim, como sangue e lágrimas, involuntariamente. A verdade revelada é essa: tenho medo. E, agora, depois de revelada a verdade, me pareço mais inteira, mais corajosa, até. Imagina que antes eu pensava: logo comigo, comigo não. Fechava os olhos que era para não ver o medo, fechava a boca para não dizer. Dizia "está tudo bem, tudo bem". Imagina que antes eu pensava que não podia ter medo, que meu medo latente era fraqueza. Logo eu, eu pensava. Eu que, não raramente, ouço aclamarem minha coragem. O medo que eu tinha era de perder a coragem.

Acontece que, até aí, eu não sabia. Veja bem, eu ignorava o fato de que medo e coragem coexistem dentro do coração da gente. Finalmente, por um escorregão, acabei descobrindo que foram os meus medos que acabaram me empurrando para fazer a coisa mais corajosa que já fiz: admitir minhas fraquezas. Agora, se me perguntam, digo mesmo que tenho medo. É isso que me faz corajosa: reconhecer meu medo, mesmo sabendo-o ser um abismo sempre pronto para me puxar.

Ane Karoline 

7 Comentários

  1. Olá! Que texto lindo! Curti bastante a reflexão. Esta é daquelas confissões que todos nós havemos de fazer um dia!

    Parabéns pela escrita!
    Um abraço!

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  2. Oi! Adorei o teu texto! Muito poético e sensível, mesmo falando de um assunto tão assustador quando reconhecer seu próprio medo. Estou ainda em processo de fazê-lo - estou quase lá! - e é mesmo algo difícil de se fazer.
    Parabéns pelo texto e pela coragem!

    Bjs da Cami

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  3. Parabéns pelo texto, amei a reflexão!! Ah, esse medo que nos assombra! Reconhecer o medo é um grande passo!!

    Bjs.

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  4. Que texto!!!
    Amei mesmo... Você escreve de uma forma lindaaa, menina! Parece que estamos escutando alguém real (não que, de certa forma, não seja real) se libertando de algo, a começar pelo reconhecimento. Parabéns!

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  5. Olá...adorei o blog e esse texto então.

    Adoro encontrar textos assim nos blogs, nos fazem refletir.
    Parabéns mesmo...quero ver mais coisas suas por aqui!


    Já estou seguindo ;)

    Abraços

    Quel
    Blog Literaleitura
    http://literaleitura2013.blogspot.com.br

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  6. uma catarse para ninguém ouvir, apenas para esvaziar do paralisante medo e a vida continuar girando, perfeito. Belo texto.

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  7. Muito lindo seu texto.
    Comovente.
    Quem já não se sentiu assim e precisou aprender a superar seus medos? Verdadeiro.

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