imagem: we heart it

A loucura era que todos os dias me eram iguais: começavam antes que eu estivesse pronta, me atropelavam um amontoado de acontecimentos e, no fim, uma exaustão e uma sensação de que não havia feito nada do que deveria. Nesse marasmo, todos os dias fazia questão de escolher a bandeja verde no refeitório da faculdade e escolher, com cautela, o lugar em que me sentaria. Sem perceber, cultivava uma fagulha de esperança em meio aos meus dias cinzas. Foi em um desses dias, escolhendo um lugar para sentar,  que eu vi outra bandeja verde.

Ela era uma moça de estatura mediana. Os cabelos, desengrenhados, estavam presos em um rabo de cavalo deixando o rosto dela nu. Não parecia pensar em nada, não era tranquila e nem agoniada - apenas era. Estava ali, ocupada sendo ela mesma, como tantos outros o estavam naquela manhã cinzenta de uma quinta-feira qualquer. A manhã era como ela: não se destacava entre as demais mas, com certeza, tinha uma existência única e fundamental. Muitos não a viam, como não veem as várias manhãs que passam indistintas como páginas no calendário. Mas, naquele dia - não sei se por acaso, destino, distração ou identificação- eu a vi. Me vi nela: uma alma, dentro de um corpo, querendo existir. Não é o que somos todos, afinal? Tanto nela me vi que me senti convidada e fui sentar-me com ela. 

Como costumeiro da vida cotidiana, não conversamos. Imersas nos mundos de nossas próprias bandejas, nos assustamos com o barulho seco de algo caindo no chão. Peguei o livro  e fui entregá-la, era um dicionário português-francês. Olhando para ela, entreguei o dicionário e, só quando  ouvi o "Merci" acompanhado de um aceno de cabeça, eu percebi: uma francesa. Eu não falo francês. Poderia responder-lhe em outras quatro línguas, mas não na dela. O sorriso que ela me deu me mostrou que não era necessária, uma resposta, nem mesmo suficiente. Foi um sorriso tão breve, mas carregado de cumplicidade e simpatia o suficiente para acender em mim uma fagulha de fraternidade - há muito perdida. Então eu reparei que essa fagulha de fraternidade só apareceu porque eu senti, nela, o amor. 

Terminamos nossas bandejas, e eu saí de lá assim: a bandeja verde, de esperança, o coração aquecido, de amor. Saí desse tal dia, vendo tudo colorido e sabendo que o amor que carregamos dentro de nós não é lá tão diferente: somos todos gente. Todos confusos, buscando um caminho. A loucura é ter esperança na fraternidade em meio à tanta desavença, mas o meu lado da força é esse e eu vou ousar afirmar que se nos respeitarmos e nos permitirmos ser, podemos crescer e florescer. 

com amor, 
Ane Karoline

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