Na roda de amigos de sempre, enquanto ríamos das minhas desventuras amorosas (como sempre) uma amiga disse:
- Você faz origami com seu papel de trouxa. Chega a ser engraçado.

Confesso que, colocado assim, era engraçado mesmo. Até ri quando ouvi isso. Concordei. Depois me coloquei a pensar. Eu, que colecionava histórias de amor nas quais atuei sozinha e que me marcaram a ferro. Eu que insistia em aceitar o sofrimento de relações medíocres na esperança de que se transformassem em contos de fada. Era, então, exatamente isso que eu vinha fazendo: origami com o meu papel de trouxa. O origami vitaliza um papel sem vida. E essa frase, de uma amiga que pretendia fazer uma graça, me trouxe graça, me iluminou as ideias: eu vinha, durante uma vida inteira, floreando, enfeitando, o meu papel de trouxa, o meu trouxismo. Eu vinha, então, tirando água de pedra. Estava inventando o que não existia. Afinal, ninguém nos faz de trouxa. Nós mesmos é que o fazemos.

Explicação: é exatamente isso. Quer dizer, não me refiro aqui a ser enganado, afinal, todos somos passíveis de ser enganados. O magnífico título de trouxa só nos é justo quando sabemos da enganação e, ainda assim, insistimos. Trouxa é quem sabe, mas finge que não viu. Trouxa é quem sabe que o interesse do outro lado não é tão grande quanto o seu e, ainda assim, finge que não viu e se entrega. Trouxa é quem se faz de desentendido na intenção de que as coisas se ajeitem sozinhas. Trouxa é quem aposta todas as fichas em quem não liga de volta. Trouxa é quem deposita expectativas em relacionamentos que nunca deram sinais de que dariam certo e, no fim, reclama por dar errado. O trouxismo é o modo de vida de quem sabe que vai dar errado, viu todos os sinais disso, e continua ali, esperando o circo pegar fogo. Esperando para, no ombro mais próximo, choramingar e dizer: fui feito de trouxa. Só para, em seguida, fazer origami com o papel que assumiu na vida.

E fazer origami disso é que é o problema. Fazer origami com seu papel de trouxa não é assumi-lo. Na verdade, assumi-lo é exatamente o contrário. Assumi-lo é dizer  que, sim, somos ludibriados; vez ou outra;  levamos rasteiras e podemos ficar meses imersos na lama. Mas a gente levanta. Rasga aquela folha. Nesse caso, nada de reutilizar. Quando somos iludidos, traídos, enganados em alguma página de nossas vidas, essa página não deve ser reutilizada: a gente pega ali uma coisa ou outra que aprendeu e segue. Vai escrever em outra página. Vira. Muda. Segue em frente. Nada de reciclar páginas surradas em que fomos injustiçados, ninguém disse que temos uma quantidade limitada de páginas para escrever a nossa própria história, não temos. Não há razão para temer seguir em frente. Se o trouxismo lhe bater à porta, lembre-se: nada de fazer origami com papel de trouxa. Pare de romantizar histórias, relações e acontecimentos que deveriam ser descartados.


Texto sugerido pela Sara Dias, 
Ane Karoline


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