Quatrocentos miligramas de baunilha com chocolate, toda sexta feira à noite para adoçar as lembranças amargas e, quem sabe, apagá-las. Um filme qualquer, ao qual eu não dava a mínima atenção. Coração na mão. Algumas semanas, mais calmo. Outras, apertado. Sexta-feira, quando era doze, era ainda mais penosa. Oitocentos miligramas de baunilha com chocolate e música triste. Sempre achei que precisava de alguém para me ajudar a tomar meu sorvete, mas fui aprendendo a tomá-lo sozinha: devagarinho, o tempo ajuda. Era tudo muito sutil mas muito significativo. O ritual do esquecimento também incluía uma olhada na timeline do facebook. 
Rostos sorridentes. Quem bom, melhor chorar de sorrir que rir para não chorar. Muita gente bonita, de rosto bonito e alma bagunçada. Muitas informações. E você. Você sempre aparecendo, mesmo que eu tente me esquivar. Sempre sorridente nas fotografias, ao lado de alguém - ou vários alguéms- que não conheço, ou que não conheço mais, pessoas que você nunca fez questão de me apresentar ou que se apresentaram de formas diferentes para mim e para você. Lá está você: sorrindo de orelha à orelha, fazendo piadas e compartilhando músicas que você nunca me mostrou. Amigável, jogando o futebol sobre o qual nunca quis falar comigo, cantando e dançando como se não tivesse ignorado todas as canções que fiz para você.
Ali, naquela página azul, dia após dia, parei de te reconhecer. As fotos, as frases, o discurso, a humildade forjada de quem não quis os meus poemas ler. Não vejo você. Vejo, sim, um produto que não corresponde com a realidade - ao menos, a realidade que eu conheci. Vejo alguém que vende gentileza e entrega descortesia. Vejo alguém que vende amor mas entrega desistência. Vejo alguém que, ao contrário do que pensei, não merece minha insistência.
Na última sexta feira, cansada da rotina semanal, cheguei a passar perto da sorveteria mas passei direto. Enjoei. Segui. Saí. Aceitei o convite para um daqueles programinhas calmos, que eu sempre te convidava para ir. Foi bom, pasme: tinha gente de verdade lá.  Ninguém tentando me ferir ou me manipular. Mais tarde, olhando as fotografias da noite, percebi que as expressões de alegria correspondiam exatamente ao que estávamos sentindo. Reais. Acabei optando por nem postar: vou deixar esse papel de sorridente das redes para você. Mas confesso que acho engraçado e fico me perguntando se, algum dia, a aceitação (de que no mundo real existem pessoas mais legais que seus amigos fieis, que existem reais maneiras de ser feliz - sem aos outros diminuir, que nem tudo que você vê é o que realmente é) vai chegar até você. Enquanto não chega, espero que esse sorriso com covinhas seja oferecido, também, para as pessoas reais.

Para quem conseguir nas entrelinhas se encontrar, achando graça, 
Ane Karoline

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