Parda. Habitante de uma pele muda. Um corpo sem identidade que gritava abafado. Talvez por isso eu tenha demorado a me ouvir. Os cabelos que, desde a infância, escorriam pelos ombros, chegando à cintura, expressavam o sangue indígena que corre em minhas veias. A pele sempre foi o que me traiu, o que me fez me perder em minha própria identidade: acobreada, se perdia em meio à branquitude da família que veio do sul. Sulistas. Mas eu, antes de centro-ocidental, sou brasileira. Demorei a perceber que sou filha da terra, dessa terras que já existiam antes de serem descobertas. Vivi muito tempo sem raiz: a gente, vez ou outra, tenta imitar o que o outro diz. Perambulava vendo gente se vender: dentro do Brasil, não via espaço para brasileira ser. Quer dizer, que loucura um país no qual os estrangeiros são sempre mais valiosos que você. 

Enfeitiçada pela cultura européia fui: uma gente de pele clara, sem manchas de Sol e suor. Enamorada fiquei pela forma como o inglês sounded so much better que o português. O português que -  se comparado ao nível do inglês falado na Inglaterra-  sempre foi tido como muito mal falado no Brasil. Que país! Tão sem identidade que ninguém fala a própria língua. De tanto assistir cinema intercional e comercial de TV, me apaixonei pelo que não me pertencia. Mas paixão passa. Passou. Me olhando no espelho eu percebi: foi daqui que eu nasci. A pele parda, bronzeada do Sol, e a minha voz, ecoando, enquanto canto marisa monte me mostraram que meu português é tão valioso quando o inglês e, sobretudo, o português que escuto aqui, o português que você usa, ao invés do que tu usas. O português brasileiro. E que, se por alguma razão, não foi bem dito o suficiente para gerar comunicação efetiva, é porque precisa de mim: precisa do que digo, do que escrevo e do que falo. Aliás, precisa de mim e de você. Precisa de nós para desatarmos os nós que nos impedem de avançar. 

Hoje me vejo brasileira: filha da miscigenação e, sobretudo, filha tupi-guarani dos filhos dessa terra. E reconheço, com admiração, a magnitude das culturas europeias e dos nossos vizinhos norte-americanos. Mas reconheço, ainda mais, que eles estão lá, construindo seus países. A minha cultura também depende de mim, meu país também depende de mim e, além de maldizer o que está sendo feito, preciso me levantar e fazer para que, quem sabe, possamos construir um Brasil que de todos nós possa ser.

Deitada eternamente em berço esplêndido, Ane Karoline (texto sugerido por Ane Kelly)




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