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Incrível refletir como, mesmo dentro da língua que se fala, há palavras mais associadas a um gênero ou ao outro. Vez ou outra me pego refletindo em relação a formação de palavras, e elas me levam a perceber coisas incríveis. Hoje um amigo me fez pensar na palavra nutrir e em como ela é, geralmente associada às mulheres. Mulheres mães, que amamentam, alimentam e criam. Mulheres enfermeiras e médicas, que cuidam e curam. Mulheres psicólogas e amigas, que escutam, aconselham, acalentam. A palavra nutrir está sempre tão intimamente conectado ao feminino, que muitas vezes é difícil imagina-la se referindo a um homem.
É aqui onde me encontro, pois, sou um homem que nutre. E como tal, reconheço as dificuldades de ser assim, em uma sociedade com uma ideia tão sólida e muitas vezes antiquada da masculinidade. Nutro. Pois cuido daqueles a quem amo, de forma completa e complexa. Por cuidar eu me refiro a, cuidar da minha sobrinha, oferecendo a ela amor e carinho, afeto, atenção e validação de seus sentimentos, ideias e pensamentos. Ensinando-a, motivando-a e estando ao lado dela.
Nutro ao ouvir, compreender e ter empatia pela minha irmã, ou pelas minhas amigas. É elogiar a comida preparada pela minha mãe, ou motivar minhas colegas de profissão. Mas, até aqui, falei apenas de mulheres, e o tópico que proponho é justamente a dificuldade de homens aceitarem ser cuidados por seus amigos. Por que ao homem não é natural, aceitar o carinho ou o afeto, vindo de outro homem. 
Mais que isso, aceitar a compaixão, a preocupação ou a atenção. Tive a oportunidade de presenciar essa distância em primeira mão. Recentemente, perdi um amigo muito querido e, notei, em seu funeral, o quão difícil é para os homens expressarem a sua dor, ou confortar seus amigos. Notei tapinhas nas costas, ao invés de abraços. Era comum que abraçassem as mulheres, mas frente a outro homem que chorava, sofria em agonia pela perda, havia apenas o olhar de tristeza e a mão no ombro enquanto diziam "sinto muito", sem muita expressão.
Logo ficavam ali, parados no silêncio, sentados ao lado daquele que chorava por ter perdido seu filho, sem ser capazes de falar ou fazer algo. Me pergunto se eles esperavam por algum tipo de permissão, ou validação de que poderiam sim dar um abraço em seu amigo, limpar suas lágrimas, falar palavras de alento. Mais tarde, com as emoções mais calmas, me vi imerso em uma profunda reflexão a respeito disso.
O amigo que perdi era um dos poucos homens que eu conhecia que se permitia ser carinhoso e afetuoso com os amigos. Essa liberdade não veio de forma natural. Pelo contrário, foi fruto de anos de amizade, percebendo aos poucos que esse limite podia ser cruzado, sem que isso tivesse impacto em quem ele era. Ele sempre foi luz, e uma pessoa de mente aberta, disposto a mudar para melhor.
Dia após dia, meu olhar continuava a perceber as diferenças nas interações entre os gêneros. Mais e mais comprovava um sistema social embutido na mente das pessoas. Algo que vem naturalmente, que disseminamos, muitas vezes sem notar. Na forma como olhamos, ou reagimos aos mais diversos tipos de interações entre as pessoas. Como professor, como educador, eu me podo em minhas práticas na busca por limar certos tipos de atitudes que disseminam comportamentos tradicionalistas, radicais e controladores.
Afinal, apenas através da educação poderemos mudar a forma como a sociedade nos molda e poda, em relação às nossas liberdades sociais. Na busca por ser uma pessoa mais justa, compreensiva e que espalha apenas luz, deixo aqui minha opinião, na esperança de que ajude a você, leitor, refletir também sobre qual sua posição nesse sistema.
Caso você seja homem, pergunte-se "Eu me limito em minhas interações por padrões impostos pela sociedade?" ou ainda "Eu julgo ou acuso os meus amigos que demonstram afeto para com outros homens?". Caso seja mulher, pode refletir se "Eu estou ensinando meus filhos/irmãos/sobrinhos a se limitar em suas interações baseado em seu gênero?" ou até "Eu julgo de antemão homens que demonstram afeto entre si?".
Refletir é pensar com raciocínio crítico, na busca pela solução ou compreensão das coisas. É o primeiro passo para que nos tornemos pessoas melhores.

- Adolfo Rodrigues
Em memória de Lucas Marcelo (1997-2019)

5 Comentários

  1. Eu adoro a forma como você escreve e sempre venho conferir. Você nutre realmente: você alimenta o que há de melhor em cada um de nós, nutre fé e nutre amor demais em todos os corações que tem a sorte de compartilhar contigo, um trecho ou mesmo toda a jornada. <3

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    1. Obrigado pelo seu carinho e pelas suas palavras. Você também é uma mulher que nutre! Sorte a nossa de termos nos encontrado.

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  2. Que texto maravilhoso!!! Reflexão do começo ao fim. Por ter vivido o momento mecionado por você, também percebi essa trava nos homens. O nosso Lucas realmente era amor a cima de qualquer tipo de preconceito! Por mais seres humanos assim!!!

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  3. Texto lindo, nos faz refletir o quanto somos limitados pelas nossas criações e crenças. Ainda vejo amigos que se guardam demais, receosos de julgamento alheio. Que esse texto possa cumprir o seu objetivo e ajude cada vez mais pessoas a perceberem o quanto é bonito e importante poderem expressar sem pudor algum, o mais profundo e sincero de seus sentimentos.

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  4. O sentimento expressado, reflete o que o coração está cheio.
    Fico feliz ao vê-lo amadurecendo, crescendo, semeando, nutrindo e produzindo.
    Experiências novas, nos introduz reflexão e valores.
    Siga seu caminho, certo de que, tudo que refletimos, é retorno pra nossa alma.
    Te desejo um caminho muito feliz e seguro!
    Da sua madrinha que nutri muito amor por vc, Miriãn!

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