A minha primeira vez foi há um tempo atrás. Vivi uns bons e duradouros anos antes de perder a ignorância. Inicialmente, eu não entendi o que estava acontecendo. Eu, que sempre estive sob um estado de tranquilidade e estabilidade, me assustei, me abalei. Quando aconteceu, logo percebi: nada é eterno. Não porque as coisas acabam, mas porque elas se transformam. 

É a minha memória mais antiga: eu tinha três anos de idade e alguém me disse que, em breve, eu teria um irmãozinho ou irmãzinha. De início, eu não entendi o real significado, além de que teríamos mais uma pessoa em casa. Foi assim que minha estabilidade foi se esvaindo: minha mãe começou a dar mais atenção ao tal bebê que viria. Essa foi minha primeira vez, a primeira vez em que perdi alguém, ou achei que tivesse perdido.

As vezes que se seguiram foram, definitivamente, piores, sucessivamente piores, progressivamente piores. A saga continuou com a primeira amiguinha da escola, que logo achou alguém com canetinhas e adesivos mais interessantes que os meus; em seguida, minha prima favorita mudou de cidade; mais tarde, minha amiga de infância desacreditou dos meus sonhos; a professora preferida de inglês perdeu a voz e parou de lecionar justamente quando meu irmão mudou para outro estado. Em seguida, perdi o meu primeiro amor, que não era amor... E a lista poderia virar um livro: as pessoas que eu, pobrezinha, perdi na vida. Mas não virou por uma simples razão: chegou o dia em que eu entendi.

O entendimento não foi um insight, não foi mágica, não foi cursinho e nem vídeo aula, foi a experiência. Eu, adolescente que era, dramática que ainda sou, vi meu avô falecer e percebi que eu não iria vê-lo nunca mais. Eu, com esses olhos míopes, meu metro e meio, e minha tendência ultra romântica, não posso mais vê-lo,  e nem tocá-lo. Isso é, obviamente, uma perda. Eu perdi a presença física dele, perdi o cheiro dele e a mão enrugada dele, apertando a minha. Mas não o perdi. Não o perdi, primeiramente, porque ele - e todas as pessoas que, de alguma forma partiram - ainda existe em mim pela forma como me transformou. A minha professora preferida de inglês, por exemplo, eu não a vejo há 10 anos, mas ela existe, para mim, em cada palavra em inglês que leio. As pessoas, e as relações, tomam formas diferentes de existir para nós, a medida que o tempo passa. A primeira vez que perdi alguém, inclusive, acabou se transformando no dia em que ganhei outro alguém.   

Dessas transformações que a vida gera, eu ganhei uma habilidade de não perder mais ninguém. Somando os distanciados: vô, prima, amiga, amor e mãe, acabei não perdendo nada. O que aconteceu, pela primeira vez, há anos atrás, não aconteceu mais. Não perco mais ninguém não só pelo fato de mantê-los comigo em formas e níveis inimagináveis de quem eu sou, mas pela razão mais simples de todas: não tem como perder o que não se tem, ninguém pertence a ninguém.

Ane Karoline
(Terceiro texto do desafio "15 dias escrevendo sobre:")

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