imagem: we heart it

Ontem foi domingo e ninguém me ligou. Eu só percebi isso hoje quando, por sinal, alguém me ligou. Foi o maior susto porque quase ninguém me liga e eu, também, quase não ligo para ninguém - me importo com um monte de gente, mas não ligo para elas. Por isso, hoje quando o telefone tocou, me espantei. Assombro gostoso é esse de quando a gente é tomado no susto porque não estava esperando nada e nem ninguém. Não que eu seja desesperançosa, pelo contrário, eu espero por um monte de coisas: ganhar na loteria, a descoberta da cura do câncer e que minha vizinha responda ao meu bom dia. Mas não espero por ninguém, não estou esperando por ninguém. Não espero que ninguém apareça, que ninguém fique e, muito menos, que ninguém volte. E não é por falta de gente, tem muita gente que vale a pena. Inclusive, eu amo muita gente vividamente: sem dúvidas, sem poréns, sem julgamentos e sem fingimento. Mas não preciso ligar para essas pessoas para amá-las. Ontem, no domingo, não liguei para ninguém e continuo amando um monte de gente. 

 O que acontece comigo é eu sou livre. Não alimento e nem crio relações baseadas em dependência -física ou psicológica. Eu digo isso sempre que conheço alguém: eu sou um espírito livre. As pessoas desacreditam disso, até perceberem que eu não atendi ao telefone por estar muito entretida com um, céu, um filhote de cachorro ou uma canção. A ausência da minha ligação não é desleixo, é harmonia: imagina se te ligo e te roubo da primeira festa de aniversário de sua prima caçula? Não ligo não. Inclusive, antes de ontem era sábado e eu só fiz uma ligação, para a pizzaria. Sábado eu não falei com nenhum dos meus amigos e até hoje não sei o que estavam fazendo mas lembrei deles: minha amiga, que gosta de pizza de banana, me ensinou a comer pizza doce- e foi uma dessas que pedi, quando liguei para a pizzaria. Isso não tem preço, digo, essa oportunidade de estar ligado a alguém sem estar preso. Estou ligada à minha amiga fã de pizza de banana, sempre vou me lembrar dela quando vir uma pizza doce, mas posso aproveitar uma pizza doce sem estar fisicamente com ela. Esse é o meu fascínio com a liberdade: nos abre portas para conhecermos o mundo.

Por ser livre é que tudo me cativa. De alguma forma, tudo que vejo, sinto, ouço, leio, me constrói um pouquinho mais, mas sem me amarrar. É por não estar amarrada por certezas, que me permito aprender mais. É por não estar presa a ninguém, que me permito ver as pessoas, além de olhá-las. É por não estar presa a uma personagem, que me é possível reinventar quem eu sou. Funciona de um jeito tão natural que me seria impossível de explicar com fidelidade, mas é mais ou menos assim: eu achei que eu não gostava de sushi, não entendia a lógica de comer um peixe cru, mas um alguém muito gentil me levou para comer sushi e, apesar de ser desconhecido, eu provei. Agora eu gosto de sushi. O desprendimento da minha alma me abre portas, oportunidades e a mente. 

Foi por isso que mais um domingo se passou sem que eu percebesse que ninguém havia me ligado: estou ligada a um monte de gente mas ontem não as vi e nem falei com elas, porque eu estava conversando com outras pessoas e provando caldo de abóbora pela primeira vez. Também não esperei que ninguém me ligasse porque certeza é uma cela da qual estou liberta. Jamais quero ter a certeza que alguém vai me ligar - imagina se alguém me liga por obrigação? Em nome de tudo que é mais sagrado: não quero. Eu sei que é um choque, eu mesma me assustei quando percebi que não sou grudada com nada, mas já aceitei a autonomia do meu ser e, ainda, quero mais. Quero ser sempre mais livre do que fui no minuto anteirior. Quero ser sempre solta, leve, e receber ligações de alguém que me liga porque, realmente, anseia em falar comigo, não para mostrar isso. Quero uma soltura de uma forma tão singular que chego a pensar que liberdade é pouco, o que eu quero ainda não tem nome.


Ane Karoline, 
(Quarto texto do desafio "15 dias escrevendo sobre")

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