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   Eu não sei qual foi a curva pela qual a vida passou para ter entrado nesse túnel do "você tem que", mas entrou. Se eu tivesse que datar, eu diria que começou, mais ou menos, quando, na pré-escola, a professora fez a descoberta do século:
- Mãezinha, ela tem que falar mais.
- Ela é meio tímida.
- Certo, mas ela tem que se soltar para socializar normalmente.
   Ouvindo isso, passei por cima de minha personalidade reservada para socializar normalmente. E, então, a saga começou."Você tem que se soltar", "você tem que ser mais extrovertida", "você tem que fazer piadas melhores" "ah, você tem que ser mais séria", "você tem que fazer mais piadas",  "você tem que falar no tom certo", "você tem que ser mais objetiva", "você tem que se impor","você tem que falar mais", "você tem que sorrir", "você tem que ser mais contida, fala demais", "você tem que se arriscar", "você tem que ser engraçada. "você tem que ser mais cautelosa", "você tem que se impor","você tem que usar mais cor", "você tem que se vestir como adulto", "você tem que sair", "você tem que ficar", "você tem que vir", "você tem que esperar", "você tem que agir", "você tem que ouvir", "você tem que se impor", "você tem que estar aberta à opiniões", "você tem que se impor", "você tem que". Tenho? Achei que sim. 
    Achei que tinha que, até perceber não. Não. A gente, definitivamente, não tem que nada. A menos que a gente queira, mas querer é uma opção e não uma obrigação. O querer é natural, é original e interno. A imposição é externa e artificial. Qualquer tipo de imposição exclui a originalidade. Qualquer tipo de imposição, leva em consideração - se é que leva algo em consideração- somente a parcialidade. A verdade é simples e translúcida: ninguém te conhece suficientemente bem para impor-lhe qualquer coisa. Nós temos família, amores, amigos, colegas, anjos e benfeitores mas nenhum deles conhece o nosso 100%. Ninguém te conhece totalmente. Ninguém conhece suas razões. Ninguém sabe, verdadeiramente, onde você quer chegar e, muito menos, como você vai fazê-lo. Nenhum ser humano conhece suas cicatrizes o suficiente para impor qualquer remédio. Ninguém vai acreditar nos seus sonhos o suficiente para entendê-los. Ninguém sabe o que é melhor para você, além de você.
   Achei que tinha que até perceber que não. Não: terminantemente, não. Não vale a pena. A pena que se paga, durante o período de achar que tem que, é desumana. É desumano tentar passar por cima do que se é por qualquer motivo. É, ainda mais, desumano esperar, ou propor, que o outro passe por cima do que é porque não está dentro da minha margem de possibilidades, não está dentro da minha forma. A mínima do respeito consigo mesmo é ser. A mínima do respeito com o outro é deixar que este seja. 
   A gente tem, como primeiro ofício, o direito de ser. E, depois, de relacionar-nos: construindo e desatando laços, deixando lembranças e marcas. Construindo-se e auxiliando o outro a construir-se: sem nunca pesar, pressionar, exigir ou rebaixar. Organizando afinidades com aqueles, que ao olhar para nós, queiram ver o que somos ao invés do que esperam que sejamos. Edificando afeições com aqueles que nos permitem que a gente seja o quer ser, sem ter que.

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