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Foi a criança quem me ensinou. Ambas: a minha interior e a com 1/4 da minha idade que conversou comigo dia desses. A tal questão que carecia de ensinamento começou há um tempo, por isso, vou tentar explicar em minhas fajutas palavras uma sabedoria sem medidas.

O meu incômodo foi tal que fez da decisão certeira: cortar o mal pela raiz. Logo aí o dilema se deu, visto que não encontrei a raiz do mal. Pus-me, então, a pensar sobre o mal. A primeira vez em que aconteceu, a primeira vez em que o encontrei face-a-face, eu, provavelmente, me aproximava dos seis anos de idade e estava ajudando o pai a cozinhar, quando a visita disse "Que lindeza esse interesse pela cozinha... Quero ver depois!". Graças à bondade do tempo, que tudo leva de nós, a bobagem foi engavetada lá no fundo do inconsciente, mas recentemente me voltou. Voltou com a mesma cara: cara de quem sabe pouco e tem pose de sabedor. No exercício do meu ofício, alguém me chega e diz "Que linda sua empolgação... Quero ver depois!". A frase se uniu com todas as suas siamesas, ouvida por mim ao longo da minha vida em momentos de felicidade, formando um bolo grosso, amargo e intragável no fundo da minha garganta. Não tive resposta, engoli a semente do incômodo. 

Quem é capaz de viver com um bolo grosso e amargo entalado no fundo da garganta, isso eu não sei, mas não haverá de ser eu. Caminhei um pouco, falei com um e outro, tentei disfarçar, até sorri! Veja bem, você, que coisa mais fora de normal é a pessoa sair por aí sorrindo quando se tem um bolo amargo no fundo da garganta. A sorte é que ninguém me notou por uns dias - não sei se por boa atriz que sou, ou por pouco solicitas que são as pessoas - mas, ainda assim, não sou eu a pessoa que guarda um bolo amargo, cheio de palavras ordinárias, no fundo da garganta. Logo, fui tratar de cuspi-lo, ou, quem sabe, de engoli-lo de uma vez. 

Os dias em que passei sem reposta, dando vida ao bolo amargo no fundo da garganta, foram dados por estar eu andando pelos lados errados. O fato é que, com a angústia crescendo dentro de mim, me vi respondendo a uma criança que me pedia algo "depois". A criança me trouxe a luz: "mas o depois não tem". 

O depois não tem. O depois não existe. O que existe é o agora. Todo e qualquer ser humano sabe disso: o passado, o tempo levou; o futuro, ainda não veio. Só temos o agora. Respirei aliviada e engoli o bolo na garganta - algumas verdades têm de ser engolidas, não podem ser jogadas fora - nesse caso, eu precisava mesmo engolir a seco essa verdade: eu posso e devo ser feliz agora. Ainda que não tenha tudo, ainda que não saiba o que é ter tudo, ainda que existam coisas maiores, ainda que exista vida em Marte, ainda que daqui eu não faça exatamente parte: ainda dá para ser feliz agora. 

Bolo na garganta desfeito, o incômodo, então, se aquietou e deixei o tempo levar o resto. Sei de algumas coisas que quero, mas não faço ínfima ideia do que há de vir, me resta mesmo é aproveitar, justamente, enquanto o depois não vem. Eu sei, eu sei, sei, o ex-colega de colégio foi para o exterior, a prima bem sucedeu-se no capitalismo, o vizinho tem uma família linda, mas, deixe-me te contar:você tem o agora, esse é o mais valioso bem. O agora é só o que, verdadeiramente, toda a gente tem. 

com amor, 
Ane Karoline

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