Seis meses era também muito tempo para ele. Ele não se recordava de tudo que fizera nesse tempo. Porém ela, lembrava de tudo. Cada detalhe- até do dia em que ele percorreu Paris com a camisa do lado avesso. Ele não se lembrava nem, ao menos, que estivera em Paris. O tempo, mesmo que compartilhado, passava diferente para ambos.

Ela: intensa, sensível e visionária. Não era a pessoa que se encontra em qualquer esquina, ou em uma mesa de bar. Era a pessoa que você iria encontrar perdida em pensamentos, ou caindo em uma freada brusca, em meio a um trânsito caótico- pelo simples fato que ela estaria tão distante, observando o vai e vem da cidade. Já ele, ele seria: O cara! Aquele cara despercebido, desatento, porém, pé no chão. Com o tipo de fisionomia que combina com o cinza do concreto. Eram distintos, mas eram complementares. Ela era o que faltava nele e virse-versa.

Mas a vida não é um conto de fadas, nem um enredo de filme romântico. Na vida real seria difícil doarem-se um ao outro, em meio a um mundo de possibilidades. Entretanto, o destino ou simplesmente as nossas escolhas, realizam pequenas mágicas, e foi em um desses passes de mágica, que a vida uniu os caminhos.

A neblina tomava conta da cidade. Carros, pessoas e ônibus iam e vinham. As luzes de natal piscavam num ritmo que para muitos era imperceptível. Todos tinham pressa, exceto ela, que fotografava cada detalhe que lhe chamava a atenção. A cada registro ela sorria, encantada, observava a foto como se ali estivesse a ver pela primeira vez Monalisa. Cada passo, uma fotografia e o êxtase tomava conta de si; a caricatura de uma criança que ganha um brinquedo novo. Ali parecia ter todo o tempo do mundo e,por mais que não tivesse, ela acreditava nisso.

Do outro lado da rua, alguém nutria o sentimento de que o tempo mesmo que infinito nunca seria o suficiente. Eram mil coisas na mente, mãos e pés não pareciam ser suficientes. Ele desejava agarrar o mundo ali e agora, por crer que não teria tempo para isso futuramente. Enquanto pensava em tudo que teria que fazer, o tempo passava, impiedosamente. E nada ele realmente fazia para aproveitá-lo. O tic-tac do relógio soava em sua mente, quando de repente: um clarão. Desordem. Susto. Uma mão gélida. Por segundos, ele acreditou estar morto. Uma voz angelical sussurrava palavras em seu ouvido, ou distante dele, ele não sabia distinguir; poderia ser um anjo, ou qualquer outra coisa. A melodia da voz o acalmava e acalentava. “Estou morto”, disse. Abriu os olhos. Mirou em um olhar negro, que lhe olhou de volta, e o penetrara a alma e o e livrara de todos os pensamentos que lhe encurralavam. Encheu-se de um sentimento que não reconhecia, jamais havia sentido. Assim passaram-se alguns minutos e pela primeira vez na vida ele não pensava em agarrar o mundo, mesmo que tudo que ele acreditava ser o mundo, estivesse bem na frente dele.  A partir daquele momento, não eram mais dois indivíduos distintos, passaram a ser um.

Nem tudo são flores, pessoas guardam segredos, histórias e medos.  Dali em diante, o mundo foi pequeno. Por vezes, ele conseguiu segurar em seus braços o que agora era o seu mundo. Ela captava cada detalhe dos universos que percorria e aos poucos, escrevia sua história por onde passava. Ele não compreendia ao certo o porquê de tantos lugares, histórias, fotos e lembranças. Se os dois eram complementares, assim o seriam em qualquer lugar, pensava consigo.

Em uma tarde ao pôr-do-sol ela recordava com ele cada lugar que visitaram: a primeira foto da viagem, os sotaques, comidas e sonhos. Não poderiam deixar de lembrar de como se conheceram e de cada cerimônia de casamento que tiveram. O amor era infinito, mas o tempo não. Em meio às recordações, ela pegou uma rosa, das flores que os cercavam, arrancou pétala por pétala ao relembrar as histórias que os fizeram chegar ali. Pegou a mão do amado, a encheu de pétalas e fechou. Beijou os lábios dele e encostou a mão dele em seu peito, ele sentia cada batimento dela: ritmo lento, como uma canção de ninar.   Eles se abraçaram e as pétalas voaram pelo ar.
A partir de então, ele descobriu que o tempo começou a tic-taquear diferente para eles. Seis meses era bastante tempo para ele. Seis meses era, também, bastante tempo para ela. Mas os caminhos, ao final, seriam diferentes. O motivo: Ela florescera e ele terá sua rosa colhida.

Evelin Mendes
Codinome Beija-Flor - página 67


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