Ela era dessas. Desses. Pra quem tudo vai bem, nada os incomoda.
Ela era desses que não se importam de não escolherem entre flocos ou
napolitano; entre campo ou praia; entre chocolate amargo ou ao leite. “Tanto
faz”, era seu lema. E eu via beleza nisso. Até não ver mais.
Começou com canais de TV, depois filmes, depois restaurantes,
depois política, antes de chegar em nomes de filhos eu já não suportava.
Ela não expressava desejos loucos que transformassem o mundo. Ela não queria
pular de bungee jump ou nadar com golfinhos (ou se queria, nunca me disse). Ela
não queria pensar no trabalho escravo de crianças na Ásia e nem nas metáforas
de músicas ruins. Ela apenas existia. E a beleza que eu
enxergava em apenas existir deu lugar a um sentimento de inconformismo.
Como pode alguém não querer alcançar o universo com
você? Como pode alguém não ter medo de filmes de terror ou chorar com filmes
sobre câncer? Como pode alguém não querer brigar para provar um ponto? Como
pode alguém não ter um ponto? E nosso amor, que começou como um
lugar inocente, seguro e sem pretensões, se tornou apenas um
lugar. Amar alguém que não te modifica é se conformar com algo tão pequeno que
te torna pequeno também. Nós éramos retas que um dia brincaram de se encontrar, e foi
bom, mas a verdade é que nossos ângulos e medidas não eram
compatíveis, e a minha reta teve que seguir, além de onde a sua teve que morrer - para além desse plano cartesiano que você construiu para si mesma.
E eu espero que um dia você possa traçar retas e caminhos que eu
não pude traçar por você, nem por nós, espero que um dia você possa discutir em
lojas, gritar em bibliotecas, ler livros sobre assuntos complexos e fugir de
casa mesmo que pra voltar duas horas depois, espero que você viva.
Espero, enfim, que seus vértices se tornem fortes e você possa se tornar alguém
que você teria prazer de conhecer e amar.
Eduardo Rodrigues
- Por
isso a gente acabou, página 67.