imagem: google



Era tarde de quinta feira, perto das 18h, horário de pico na capital do país. Pessoas caminhavam apressadas rumo às suas vidas e eu apenas caminhava sob a confusão do céu de Brasília. Havia marcado com Flor perto da catedral, já que ela estava por lá . Flor é minha filha e anda metida em passeatas em prol de tudo quanto é coisa. Militante, ela se diz. A menina levanta todas as bandeiras que você imaginar e eu não posso fazer nada além de rezar pra que ela fique bem. Na verdade, eu acho é bonito esse jeito corajoso que ela tem de acreditar nas coisas e, principalmente, lutar por tudo o que acredita, porque é preciso ter muita coragem pra ter fé, e mais coragem ainda pra ir à luta.

Enquanto eu pensava e caminhava, observei aquela multidão de gente se aproximar: estavam munidos de cartazes, gritos de ordem, apitos e bandeiras. Li a palavra ideologia escrita em um cartaz, já que não sabia muito bem o que era, guardei na cabeça pra pesquisar em casa. Palavra bonita, pensei. Avistei minha menina e percebi a hora exata em que ela me reconheceu, seu rosto se iluminou na multidão. Não tivemos tempo pra falar muito, só um "Benção pai" e "Deus te abençoe minha filha" seguidos de um abraço rápido antes de ela correr de volta pra guiar a multidão, com um megafone. Na volta pra casa, peguei o celular e digitei ideologia, apareceram vários resultados mas entendi rapidamente que, em resumo, se tratava de um conjunto de ideias.

A cabeça me levou pra minha juventude: lembrei da Flor e da mãe dela. Minha menina tinha ideologias e eu tinha orgulho disso, pois ela -assim como sua mãe - me ensinou, com seu exemplo, a ser uma pessoa melhor; me ensinou a acreditar no mundo que eu vejo nos olhos dela; nos amigos dela; na sua geração - apesar de tudo. Fiquei envergonhado e feliz: envergonhado ao lembrar que na idade da Flor, aos 18, quando a gente acredita que tudo é possível, as minhas ideologias eram às avessas, não me engajei em causas nobres como ela, não estudei, não me organizei em prol de um mundo melhor. Egoísta, eu vivi grande parte da vida olhando apenas para o meu umbigo, até conhecer Rosa, a mãe de Flor. Vou te dizer, Rosa e Flor são minha redenção e a menina, graças a meu bom Deus, é uma cópia da mãe, não de mim. Até hoje eu não entendo muito bem como Rosa me quis, só agradeço aos mistérios do amor e do coração por isso. Eu vivi a vida inteira sob minhas ideologias pobres - mesmo sem saber que eram ideologias - com uma conversa fiada de que não adiantava lutar por nada, achava que o problema do outro era só do outro e cada um que cuidasse de si. Achava até que "bandido bom era bandido morto", era um grande representante da cultura machista. Hoje eu tenho vergonha disso, mas sou feliz por perceber que foi preciso viver e ver cada uma das minhas ideologias dar errado para que, no entardecer da minha história, Rosa e Flor germinassem trazendo, com seu exemplo de humanidade, amor, luz e o céu pro jardim da minha vida.

Cochilando na poltrona, ouço Flor chegar em casa. Agradeço a Deus por proteger minha menina mais um dia e peço que Rosa olhe por nós também do céu pois, pelo que vejo, Flor ainda tem muitas bandeiras a levantar, porque o mundo e o Brasil, assim como eu, precisam florescer!

Débora Kelly

Deixe um comentário

O tempo é maior presente que podemos dar à alguém: obrigada pelo seu. As palavras são afeto derretido, que tal deixar as suas? (Caso tenha um site, para que possamos presenteá-lo com nosso tempo,divulgue-o aqui). Forte Abraço.