Caixa dos Correios feita com caixa de papelão. Excelente atividade para crianças. DIY fácil e simples de fazer
Imagem: Pinterest

8h13 da manhã de uma quinta-feira quente. Decidi jogar o envelope fora assim que ela cruzou a porta giratória, mas o abri antes. A caligrafia torta dizia:

Papai do céu, 
Decidi que não vou mais ajudar a vovó. Eu achei que ela não conseguisse entender as coisas que a gente diz e não conseguisse dizer as coisas que ela quer. Só que ontem eu vi que ela escreveu uma carta longa, longa, longa, com uma caligrafia miúda e cursiva - que eu ainda não sei ler. Quer dizer, ela sabe um montão de coisas que eu não sei! Quando o papai me chamou e disse "Julinha, você tem que ajudar a vovó" eu falei com ele isso, mas ele disse que as coisas que ela escreve não são certas. Como não são certas? Pois eu acho bem certas sim, sabe? Fechei os olhos e fiquei pensando como se eu fosse a vovó, pensando que se eu não quisesse muito falar certas coisas, se eu quisesse mais escrever outras coisas, se eu preferisse cantar umas músicas que ninguém conhece, eu ia querer que as pessoas deixassem. Aí, eu estou te escrevendo essa carta só para avisar, então, que não vou mais ajudar a vovó, ela não precisa de ajuda. Eu acho que o papai ainda não entende que o certo da vovó não é igual ao meu certo e ao certo dele. E, na verdade, eu também não entendo as coisas que a vovó diz, mas eu gosto muito dela, por isso, não vou mais ajudar a vovó, vou deixar ela fazer o certo dela. Se você é o papai de todo mundo, deve entender a vovó assim. 

A carta caiu no balcão. Voltei alguns minutos no tempo: Lembrei da Julinha irrompendo porta adentro da agência com pressa e com muitas moedas, lembrei da minha descrença quando ela veio com o papo de carta para Deus, lembrei do dia começando, do computador arcaico marcando 8h02, o café ainda não estava pronto, as buzinas já alucinavam, as duas primeiras pessoas entravam e a minha mente girava sem saber se esse configurava mais um dia de trabalho burocrático ou menos um dia em minha vida. A verdade é que ninguém mais ia  aos correios para enviar cartas - o que era meu trabalho inicial, antes de ser piedosamente realocado no setor burocrático. Agora, as pessoas vão aos correios para: buscar encomendas, devolver encomendas que não gostaram e pagar contas - essa última opção serve melhor às pessoas acima de 50 anos que querem evitar as filas das casas lotéricas e não usam internet banking. Talvez seja justamente esse desvio de função ao qual os correios estão condicionados que faz com eu não tenha sequer um pingo de paciência com as pessoas. Talvez seja a indiferença delas, talvez seja o fato de as pessoas parecerem nada saberem sobre os processos burocráticos e acharem que a culpa se deve a mim,  talvez sejam os pacotes malfeitos, talvez seja só a minha sensação de inutilidade, mas acabo o dia sempre tendo discutido com cerca de dez pessoas e ignorado todas as outras. É exaustivo. Exaustivo ao ponto de entre às 8h02 e 8h03 eu já ter pensado tudo isso e saber, ao menos superficialmente, como seria o esqueleto do dia. Todavia,  esse seria diferente, às 8h13 passou pela porta giratória alguém que sabia das coisas, alguém que despretensiosamente havia entendido tudo. 

Entender o outro é não medi-lo com a nossa régua. 

com amor,
Ane Karoline

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