imagem: pinterest

    Chegava na borda da piscina ofegante, sem ar algum nos pulmões, as vias nasais ardendo como se em um passado distante eu houvesse sido um dragão fumegante capaz de soltar fogo pelas ventas, mas na versão humana só restara o incêndio; dentro de mim, por sinal. Todas as vezes em que apoiava as duas mãos molhadas na borda de cerâmica ouvia o barulhinho agudo do cronômetro e o grito: mais rápido, dá para ser mais rápido e mais fundo, o mergulho tem que ser mais fundo. Ao mergulhar de costas para reiniciar, me perguntava como é possível se sentir incendiada, seca, em chamas, mesmo estando imersa em tanta água. 
   Cheguei a pensar que o conjunto dos questionamentos mentais era exatamente o que me fazia atrasar, não conseguia entender o que me atrasava. Nadava, nadava, nadava e não conseguia acelerar o percurso nem por um segundo; nadando sem sair do lugar como quem corre sob o sol e pensa que as pernas não são fortes ou grandes o suficiente, ou como quem está preso em um labirinto e, ainda que trilhe diferentes caminhos, ainda que planeje diferentes estratégias, não consegue resultados diferentes. Ainda que em movimento, eu me sentia paralisada, condenada pela água parada da piscina. Não tinha correnteza e nem onda para me atrapalhar: só eu só a me boicotar. Nadando sempre numa água estática, a mesma água com cloro e sem vida; não era mar, tenho certeza absoluta de nunca ter nadado na liberdade do mar, meus braços e pernas curtos estapearam sempre uma água inerte e infértil, para chegar sempre ao mesmo lugar. 
   No mergulho também não conseguia evoluir: ao tentar mergulhar mais fundo, ficava logo com medo de ancorar e abria os olhos, pupila com cloro não dá. Em todas as tentativas de me entregar ao mergulho, de ir fundo, mergulhar de cabeça, acabava com os olhos vermelhos e inchados como quem chora três dias seguidos por perder o avô ou por perder uma prova de intercâmbio. A diferença é que meus olhos acabavam secos, ardendo muito, e o peito cheio de água - muito diferente do alívio que se sente depois de chorar por três dias seguidos. Mergulhava de costas, saltava ou entrava devagarinho e o resultado era sempre o mesmo: olhos inchados, falta de ar e peito muito cheio, pesado. 
   A última coisa da qual me lembro, além dos gritos, é do cronômetro apitando cada vez mais alto como que para me dizer: mais rápido, mais rápido, mais rápido, você está atrasada, ainda não chegou lá, ainda não conseguiu, não foi rápida o suficiente, você é lenta, você é tardia. Abri a boca e soltei a respiração, que há tanto prendia, dentro d'água. Me permitindo afundar, ancorar, fui movida apenas pelos espasmos do meu próprio afogamento, percebi os barulhos diminuindo gradativamente enquanto constatava que ninguém apareceria para me salvar. 
    Era como se minha vida fosse, então, líquida e não aquele peso duro, seco e estanque. Era como se tivesse que me derreter inteira para tomar outra forma. Era como se... tudo, porque nada, de fato, era. E,então, eu acordei. O despertador me chamava para  natação diária que é a vida.

Ane Karoline

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