O tempo é caprichoso. Me parece que tudo tem um tempo certo, um tempo próprio, um tempo outro que não o que é conhecido ou esperado. Me parece que, além de dar o melhor de si, não há muito pelo que correr, não há razão para perseguir o que quer que seja; o tempo é caprichado, desenhado, feito para acontecer da melhor forma possível. Afora as vezes em que somos ludibriados, ou que ludibriamos a nós mesmos, tudo tem tempo certo para acontecer. Paciência.

Tanto discorro sobre o tempo porque sou apressada, mas tenho percebido que a pressa só me prende. Este ano muito li sobre tempo e, de alguma forma, certo tanto aprendi. Não sem razão, com carinho, separei os dez livros que mais me disseram, que mais conversaram comigo esse ano. Nove deles foram publicados em anos anteriores, mas acabaram me ensinando exatamente por isso, por serem atemporais. Afinal, não temos sempre que ser uma novidade, certo? 

1- Um sopro de vida - Clarice Lispector
Eu poderia escrever livros sobre o quanto Lispector conversa comigo através de seus escritos e, ainda assim, jamais conseguiria descrever a força com a qual este livro me alcançou. É uma narrativa construída em torno da construção da escrita: escritor e personagem falam. A autora construiu um personagem escritor que, além de falar em terceira pessoa sobre sua personagem fictícia, dá espaço para que a personagem fale de si mesma. Existe uma grande metáfora sobre criação, criador e criatura - além de ser um livro para a vida, recomendo fortemente para quem gosta de escrever. 

2- As meninas - Lygia Fagundes Telles
Posso dizer sem medo e sem vergonha que antes de ler os livros da autora, eu ainda não havia compreendido a infinidade de possibilidades literárias; ainda não havia compreendido como uma obra literária pode ser, ao mesmo tempo, uma obra sociológica e política. Em, "As Meninas", Telles monta, através de narrativas cruzadas de três moças jovens comuns, um retrato político da resistência contra o regime militar no Brasil. É um livro, ao mesmo tempo, sensível, forte e crítico. 

3- Outros jeitos de usar a boca - Rupi Kaur
Quando comecei a tomar gosto pela leitura, lá com meus 10 anos de idade, lembro que gostava muito de ler poemas; ainda que não os compreendesse muito bem, passava horas lendo os mesmos poemas. Entretanto, quando me perguntavam sobre poetas, eu sempre mencionava Cecília Meireles e Mário de Andrade; até agora. Há um tempo tenho visto frases soltas e isoladas do livro "Outros Jeitos de usar a boca" (em inglês, "Milk and honey") da poeta Rupi Kaur, mas somente em julho deste ano (por ter recebido de presente de aniversário) pude ler o livro completo. Há muito o que discutir e refletir na obra de Kaur, mas já adianto que recomendo fortemente o livro. A leitura muito me encaminhou em um auto descobrimento de minha feminilidade e na descoberta do amor próprio - apesar de não ser um livro de auto-ajuda. 


4- The bluest eye - Toni Morrison
Aqui, novamente, retomo a reflexão sobre o tempo: um livro publicado em 1970 e que, só agora, o descobri. Na verdade, só descobri essa escritora esplendorosa que é Toni Morrison este ano. Um livro extremamente sensível e, ouso dizer, necessário; traz assuntos essenciais, dos quais aqui destaco o racismo. 

"eu foquei, então, em como uma coisa tão grotesca quanto a demonização de uma raça inteira poderia fazer raízes no interior do membro mais delicado da sociedade: uma criança."


5- Northanger Abbey - Jane Austen
Alguns diriam que sou tendenciosa ao falar de Jane Austen, pois tenho um apreço genuíno pelas obras da autora. Entretanto, apenas este ano pude completar todas as minhas leituras dos romances de Austen, sendo, então, o último deles "A abadia de Northanger". Neste livro, de forma mais intensa que nos lidos anteriormente, a ironia e o senso crítico social da autora se fazem presentes. A trajetória da heroína é muito bem traçada e, tratando-se de uma moça pobre que, enfim, tem a oportunidade de conhecer a sociedade, é uma narrativa muito divertida. 

"Mas quando uma moça jovem tem que ser uma heroína, a perversidade de quarenta famílias ao seu redor, não pode impedí-la. Algo há de acontecer para colocar um herói no caminho dela."


6- Crime e Castigo - Dostoiévski
Apesar de se tratar de um clássico, publicado em 1866, também só tive acesso a esse livro este ano. E que sorte a minha! A graça e sagacidade com que escreve Dostoiévski se abrilhantam nesta narrativa de forma que, apesar de ser um livro extenso, em momento algum chega a ser cansativo. Sem querer estragar a surpresa dos possíveis leitores, me contento em dizer que, além de ser um livro excelente para distração, é uma reflexão e crítica social atemporal.
 

7- Gente Pobre  - Dostoiévski
O primeiro livro escrito pelo autor, nada perde em qualidade para Crime e Castigo. Para quem não gosta de ler livros muito extensos, essa é minha recomendação. É um livro interessantíssimo, curto e todo escrito em cartas - a narrativa é expressa através da troca de cartas entre os personagens principais. 

8- Sombras de reis barbudos - José J. Veiga
Esse vai especialmente para quem gosta de distopias. Além de ser um livro curto, gostoso de ler e divertido, ainda é uma super crítica social expressa através da narrativa contada por um menino. Apesar de, assim como Lygia Fagundes Telles, Veiga ter escrito em meados do período ditatorial brasileiro, o livro é atemporal. 


9 - Veracidade - Isabella de Andrade
Curto, um sopro, um suspiro. Um dos livros mais sensíveis e sensoriais que já tive o prazer de ler. Caso queira mais detalhes, eu já fiz resenha dele aqui no blog, neste LINK

10- Trem bala - Martha Medeiros
Do ano passado para cá, tenho lido bastante Martha Medeiros e, até então, achei que ela fosse uma excelente cronista, isso porque eu não a tinha lido como romancista. É um romance sobre perda, sobre finais e recomeços. Me doeu ler, mas aprendi um bocado. 

E aí, bora ler?

Com amor, 
Ane Karoline




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