imagem: pinterest

Tão cheia de coisas, culpas, contos, e crises que quase nunca vejo o céu. Olhar, eu olho, e sei que ainda está lá, de cenário; sei que não desmoronou sobre nossas cabeças. Mas ver é outra coisa, coisa rara. Acontece vez em nunca e é sem aviso, é assim: quando eu não espero nada, quando não estou procurando nada, eu tenho tempo de ver. Ver o céu é de um vazio tão absoluto, intergaláctico, inexplicável, é quase antimatéria. É um vazio que me atinge sem me tocar e, por mais biruta que seja, me faz plena. A razão é coisa simples: o vazio do céu me empurra para a frente, me sentir vazia faz com que eu saia que nem doida atrás de alguma coisa para me completar, ou alguma coisa a qual contemplar. Coisa essa que não acho nunca, mas me movo. Enquanto me movo, estou viva.

Só que viver dá nisso, a gente coleciona um monte de bugiganga, mágoa de tudo quanto é gente, frase de tudo quanto é panfleto, senhas de mil e quinhentos logins e informação da vida de gente que nem conhece a gente. É coisa que não acaba mais. E eu apareço, fazendo esses discursos com propriedade, porque eu sou doutora nisso: de tanto me encher de coisas, me perco na bagunça que eu faço dentro de mim. E como é que resolve uma coisa dessas? Porque mapa não resolve, garanto, eu decorei o mapa mundi quando tinha doze anos de idade, para nada. Quando me perdi e tentei me mapear, não me serviu, um mapa daquele tamanho. É doidice, mas acontece. 

Acontece que é física: dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço. Quando a gente se enche de coisas desnecessárias, não sobra lugar para nós. Foi numa dessas, perdida na vida, que caí de cara no chão, me despedacei e perdi tudo. Aí fiquei vazia: fiquei sem certezas, amores e ideologias. Foi assim que vi o céu. E foi nesse embalo, de ficar vazia e de ver céu, que percebi a beleza da coisa: a gente é cheio de vazios, frestas e vãos. E a graça é essa, através desses vazios que um céu bonito consegue espaço para entrar e cativar a gente.Os vazios nos movem e nos mudam. Encanto precisa de espaço vazio para entrar. Gente completa, saciada e cheia de certezas deve perder um monte de coisas. 
Ane Karoline


Primeiro texto do desafio: 15 dias escrevendo sobre.


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