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Historinhas a gente tem aos montes - contos, estórias e história-  de vida nossa e das vidas alheias. Todas as vidas merecem ser contadas, e agora é hora de Isabel. Isabel tinha uma coisa, uma coisa diferente, e muita gente a julgava tola. Mas a verdade é que ela sempre fora uma acreditadora: sempre acreditou na força do destino, era uma caçadora de sentidos. Parece papo místico, mas é praticidade. Isabel acreditava que tudo acontece por uma razão, tudo tem um motivo que, mais cedo ou mais tarde, vai aparecer e vai gritar para nós: oi, eu sou a razão pela qual você passou tal coisa. 

Reclamava pouco, a Isabel. Se tropeçasse, era sinal para trocar os sapatos; se a comida fizesse mal, era para que ela se alimentasse melhor; se perdesse o ônibus, era para evitar acidente; se tivesse um tumor no cérebro, era para valorizar a vida. Até dos relacionamentos acabados, Isabel sempre levava algo bom, quando questionada, arrumava exemplo até não caber mais: "Quando Lucas me traiu, aprendi que devo me amar em primeiro lugar."; "Quando Amanda me abandonou, aprendi que podemos fazer novos amigos." e quando os exemplos acabavam, ou não convenciam, ela acrescentava: "Todo mundo passa pela nossa vida por uma razão."

Seguiu assim, acreditando, até conhecer Miguel. E, aí, acreditou mais. Miguel: todo inteligente, todo misterioso, todo meias palavras, todo, todo. Miguel: mesma turma de Introdução à Linguística de Isabel. Miguel e Isabel: seis letras cada um. Seis vezes três (pois se conheceram no dia três de fevereiro) é dezoito: a mesma idade tinham. Para Isabel, não tinha como negar, o destino estava ali, gritando, berrando e explicando que as relações anteriores fracassaram somente para que ela encontrasse Marcos. 

Outra coisa coisa que Isabel tinha era uma mania de ser persistente. E, com Miguel, foi. Persistiu por longos três anos, procurando sentido e dizendo a si mesma: temos uma conexão, temos uma conexão, temos uma conexão. Até que, enfim, Isabel se cansou. Quando foi embora, Miguel não hesitou: "Não temos conexão, tínhamos afeto e afeto acaba".Acabou-se Isabel.

De tanto procurar, cair e levantar, Isabel resolveu aceitar que de todas as relações anteriores havia levado alguma coisa, aprendido alguma coisa, sempre restava o amor -  da relação com Miguel, só restara a dor. Aí, quis que ele não existisse. Fechava e abria os olhos, esperando que ele fosse apagado da história da vida dela. Não que quisesse que ele morresse, não, queria é nunca tê-lo conhecido. 

A verdade é que a dor maior foi perceber que estava errada, que não havia razão nenhuma, que Miguel nunca lhe trouxera bem nenhum. Deixou-a aos pedaços, tentando recolher-se e encontrar-se nas palavras; tentando se organizar nas páginas e páginas que escrevia para ele. Páginas que ele mesmo fazia questão de jogar fora. A Isabel toda cheia dos clichês, se doía toda por perceber que havia desperdiçado sua poesia com um Miguel tão indiferente, tão insosso. O Miguel era um poço vazio, oco, um vão, um abismo, onde a Isabel tentou plantar poesia. E enquanto estava entretida com Miguel, não faltava gente em quem investir a poesia de Isabel. Tinha até gente que pedia: "Me escreve, Isabel". E ela nada, só tinha olhos para o Miguel.

Depois que Miguel se foi, a magia foi parcialmente destruída. Ele deixou para a Isabel a pior compreensão: nem tudo na vida tem uma razão. Hoje Isabel sente a vida como uma eventualidade, e se dói, porque é dolorido demais se sentir solta ao acaso.

Calha que o acaso tem leis imprevisíveis e Isabel, talvez, ainda não tenha conseguido é compreender esse erro. Foi, sim, um erro. Miguel foi o erro da vida de Isabel, o erro trágico de Isabel. Todo herói precisa de erro trágico, Miguel foi o erro cometido para que Isabel se tornasse heroína - e o mérito é todo dela.

O texto acima foi escrito em resposta a um e-mail de um/a leitor/a. Quer contar algo? Pedir um conselho? Conversar? Mande seu e-mail para: papocomjulieta@gmail.com

Forte abraço! <3

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