- Um bando de filhos da p***! Isso é o que eles são. – Erik esbravejava, enquanto sua voz ecoava pelas escadas que davam acesso à plataforma do metrô.
        Queríamos encontrar outra festa para ir, até que nos expulsassem novamente por causa de alguma confusão causada por Erik. Então partiríamos para outro lugar e repetiríamos o ciclo até o dia amanhecer.
-Acho melhor irmos para casa – disse Linda, prudentemente. 
- Não vamos para casa – Sarah falou. – Só precisamos controlar o esquentadinho aí.
        Já passava da meia-noite. Nós pegaríamos o último trem do metrô da linha 13 e cruzaríamos alguns quarteirões. Mesmo àquela hora, pegar um trem ainda era a maneira mais rápida de se chegar a algum lugar.
        Aquela estação era suja. Pichações cobriam as paredes e o cheiro de urina era forte. Metade das lâmpadas não funcionava e havia ladrilhos da parede despedaçados e espalhados pelo chão.
- Meu Deus! – exclamou Linda, a voz trêmula e assustada.
        Ela apontava para a parede paralela aos trilhos, na plataforma onde estávamos. A imagem de um pentagrama invertido em vermelho vivo bordava os ladrilhos encardidos, a tinta ainda escorria pela parede – parecia recente.
- Precisa mesmo fazer tanto escândalo? – perguntou Erik, que não largava sua garrafa de cerveja.
     Cheguei perto da pintura grotesca para avaliar melhor. Um cheiro de ferro misturado com um aroma adocicado emanava da parede. Toquei na tinta, que era pegajosa e tinha textura espessa.
- É quente! – eu disse, com espanto.
- Meu Deus! É sangue! – Linda se desesperou ainda mais, sempre fora muito assustada com tudo.
- Isso é coisa de algum bosta querendo aparecer – disse Erik. – Sai da frente que foi acabar com esse c******!
       Ele lançou a garrafa que tinha em mãos. O vidro explodiu bem no centro do pentagrama invertido e a cerveja se misturou à tinta (ou ao sangue) do desenho, que começou a se dissolver. 
         Um barulho agudo e um vento quente invadiram a plataforma, mas não havia trem. O lenço que Sarah levava no pescoço foi jogado nos trilhos pelo vento.
- Droga! – Ela saiu correndo para pegar sua peça.
- Não vá para os trilhos, Sarah – disse Linda. – Deixa pra lá.
- Eu paguei uma nota naquilo, não vou deixar aqui.
        Não havia trem vindo. Então Sarah pulou nos trilhos até alcançar seu lenço, que ficara preso a uma das ferragens.
- Esquece isso, Sarah. Eu te compro um novo – eu disse.
        As luzes começaram a piscar e o ar ficou mais frio.
         Sarah enfiou a mão sob o trilho para tentar desprender o tecido, mas seu braço acabou tocando em uma parte eletrificada. A energia do choque jogou seu corpo a cinco metros de distância. Não sei dizer, mas acho que morreu na mesma hora.
         Linda começou a chorar em desespero. Erik ficou estático sem falar uma palavra. Eu corri para a beirada da plataforma para tentar puxar o corpo de Sarah, mas estava muito longe.
         Um barulho alto anunciou o trem chegando.
       Sangue respingou na beirada da plataforma quando o transporte de metal passou violentamente sobre o corpo de Sarah, rasgando pele e triturando ossos.
      Na parede atrás de nós – onde antes ficava o pentagrama – os ladrilhos pareceram estar sangrando. Linhas vermelhas começaram a brotar dos rejuntes e, assustadoramente, formaram com letras distorcidas a frase:
OS SETE PRÍNCIPES CAMINHAM
        As luzes iniciaram sua dança novamente. Uma névoa veio acompanhada de um ar gélido.
        Agarramos Linda pelos braços e a carregamos para dentro do vagão.
      As portas foram impedidas de serem fechadas por completo – o novo sistema de segurança do metrô impedia os trens de se locomover com as portas abertas.
      A névoa estava quase invadindo o vagão. Então Erik viu que um pedaço de ferro dos trilhos estava travando o mecanismo da porta. Ele agachou-se no chão e começou a puxar o pedaço de ferro. Me juntei a ele para ajudar.
       Quando finalmente conseguimos, as portas se fecharam bruscamente. Perdi o equilíbrio e caí para o lado, mas as portas prenderam a cabeça de Erik para fora do vagão. O trem começou a se mover enquanto Erik sufocava. Linda e eu tentamos desesperadamente abrir um espaço nas portas para livrarmos nosso amigo, mas pareciam estar travadas. 
         O túnel se aproximava com velocidade.
         De repente, as portas se fecharam por completo.
       Olhei para a camisa de Linda. O que era branco, agora estava manchado por sangue. Minhas roupas também estavam cobertas por sangue e pedaços de pele e cartilagem. 
        No chão, o corpo de Erik sem cabeça era envolto por uma poça do próprio sangue.
     Agarrei linda e a levei para um canto mais afastado. Os vagões não eram interligados, então estávamos confinados àquela imagem de horror até a próxima estação.
Ficamos abraçados, sentados no chão, esperando a próxima estação chegar.
       O frio ficou tão grande que começou a embaçar as janelas. Algo chamou a atenção na janela de frente para nós. O vidro começou a trincar de maneira não natural até formar o desenho do mesmo pentagrama invertido que havíamos encontrado na parede da plataforma. O mesmo fenômeno também se repetiu nos vidros de todas as outras janelas.
Ficamos de pé, apavorados. Já havíamos chegado à estação.  
       O silêncio era apavorante. Olhamos pela janela e vimos a névoa nascer do chão. 
- Ainda não acabou – disse Linda, as lágrimas escorrendo pelo rosto.
Os vidros das janelas explodiram em todo o vagão, as luzes pareciam mais enlouquecidas que antes, lâmpadas também estouraram no caos.
       Corremos pelo vagão e pulamos o corpo de Erik. O cheiro de ferro com tom adocicado era insuportável do lado de fora. Linda tropeçou e acabou caindo na plataforma.
Quase perto das escadas, olhei para trás. Estava tudo calmo novamente.
Linda se levantava vagarosamente. Seus dedos da mão estavam retorcidos de forma asquerosa, seu corpo todo tremia. De repente, ela emitiu um grunhido assombroso incomum a qualquer espécie animal.
       Aproximei-me para olhar em seus olhos. Foi como olhar nos olhos de um demônio.
- Saia daqui, filho da luz! – disse a voz distorcida que saiu da boca de Linda. – As asas que o protegem não nos deixam tocá-lo. Mas a cada alma que nossos cavaleiros levam nos tornamos mais fortes. Vá, filho da luz! Deixe o medo crescer dentro de si, até chegar a hora que beberei seu sangue. 
       O corpo de Linda se contorceu violentamente e caiu sem vida no chão.
       Não sentia meus pés, mas corri. Subi as escadas. Saí correndo no mundo lá em cima. Continuei correndo. Correndo. Correndo. Não olhava para trás.
Ainda não tenho coragem de olhar para trás.
***
- Há algo a mais que queira me contar, Arthur? – perguntou o médico psiquiatra e terapeuta Augusto Flynn.
        Arthur balançou a cabeça negativamente. Era sua primeira sessão com Augusto, mas já estava convencido de que seria o mesmo que foi com todos os outros.
- Você sofreu um grande trauma, Arthur. As investigações constataram que você e seus amigos foram atacados por um serial killer com indícios psicóticos. A sua mente transformou tudo o que você sofreu em uma alucinação, que substituiu a memória traumática sofrida por você naquela noite. Casos assim são mais comuns do que imagina. Eu posso lhe afirmar que não há nada de sobrenatural quanto ao que aconteceu na linha 13. Podemos começar a trabalhar na próxima sessão para livrarmos você desse trauma.
        Arthur se despediu educadamente de Augusto, mas não voltaria a se consultar novamente com nenhum médico. Sabia que não era louco, não queria admitir o contrário.
        Na mesma noite, voltou à estação onde tudo começou. O horário era aproximadamente o mesmo de quando pisou seus pés ali pela última vez.
- Vem me pegar! – começou a gritar. – Você me quer? Vem me pegar! Acabe com isso logo! Vem me pegar! Vem me pegar!
Seus gritos viajaram pelas paredes do túnel. Gritou com todas as forças. Gritou. Gritou. Gritou...

-Fernando F. Morais

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