Sexta à noite. Caminhava apressada, sonhando com o banho quente e o fim de semana de descanso. Quem sabe um filme, uma pizza, um livro. Paz. Perdida em pensamentos, demorou a perceber que estava sendo seguida. Tentou se acalmar: que loucura é essa? Arriscou uma olhadinha para trás: definitivamente, estava sendo seguida. É só acelerar o passo, pensou. Acelerou. A sombra perseguidora, apertou o passo também. Tentou um desvio, o perseguidor se aproximou. Começou a calcular: não sabia lutar, quem sabe negociar? Tinha o celular - não estava nem pago ainda. Que chatice. Tá. Ia entregar o celular, os 12 reais que estava no bolso de trás da calça e a bolsa. Decidiu que não ia resistir. Ia entregar tudo e ir andando para casa.
Acelerava o passo, desviava, tropeçava. A distância diminuía na mesma proporção em que o desespero aumentava. Era novembro, estava frio, mas o suor escorria coluna a baixo. A testa já estava pegajosa, a mão escorrendo. As pernas pareciam não conseguir acelerar. Pensou em correr. Desistiu, ia cair. Se caísse, não teria chance. Apertava o passo e a distância diminui.
- Ei!
Pronto. Morta. Estava morta. Começou a pensar, arquitetar: ia escrever a carta de despedida na nota fiscal do lanche dizendo que amava a mãe. Quem a encontrasse, ia entregar a carta para a mãe. Talvez desse tempo de escrever umas palavras para a família toda. Talvez desse para pedir uma missa bem bonita no enterro. Derrubou as chaves no chão. É isso. Talvez desse para lutar. Arriscou uma olhadinha para trás, catou as chaves e colocou entre os dedos. Não ia desistir sem lutar. Menos de um metro de distância. Era correr ou morrer: correu.
-Ei! Calma aí.
Calma aí o quê? O perseguidor corria também. Correu mais. Derrubou a bolsa. Levantou, correu. Caiu. Joelhos. Começou a catar as coisas quando sentiu a mão no ombro. Fechou os olhos, golpeou a perna do alguém com as chaves. E viu a pessoa cair de joelhos.
- Meu Deus do céu! Calma!
- QUER ME MATAR?
-Tá perdida moça? Vi sua cara de quem não sabe onde está.
Não sabia mesmo onde estava. Perdida num mundo onde a gente tem medo de caminhar.
Sempre com medo, Ane Karoline (texto sugerido por Marta Guedes)