"Com o silêncio de uma era, observava a janela, procurando só por ela..."

     Hoje o sol refletiu a luz nos meus olhos, enquanto fazia o caminho cotidiano em direção ao trabalho. Sim, a luz do sol bateu em uma janela, refletiu em meus olhos e me fez refletir. Refletir que, assim como o efeito daquela luz, somos apenas reflexos. Reflexos do que já fomos, do que somos e do que ainda seremos. Existências infinitas, únicas e efêmeras, que seguem flutuando como grãos de poeira em um universo que sequer conseguimos dimensionar.
     Sou o reflexo das atitudes que tomei - e das que não tomei - assim como o reflexo de quem já fui. Sou o que resta de sonhos que se apagaram como estrelas, que morreram nos céus, em exuberante supernova, deixando o rastro de sua luz para nós. Sou as ruínas de uma construção cambaleante, que se adapta às marés da vida, que me atingem como o oceano revolto contra as rochas do penhasco, levando um pouco de mim a cada vez que me acertam.
     Sou o eco reverberado dos gritos que engoli e das emoções que impedi que saíssem. Sou o jardim das decepções que foram formadas das expectativas que plantei, e que padeceram perante meus olhos infantis. Sou as cachoeiras das lágrimas que guardei, e que brotaram manancial dentro do meu peito. Sou geleiras de tristezas, que sobem em padrões intrincados e complexos, de acordo com as dores que me açoitaram.
     Sou vento de tempestade, de revolta e de pecado. Que ruge e esmaga o que há pela frente, moldando-me a cada obstáculo e afundando o que estiver no meu caminho. Sou erva daninha, era venenosa, plantando a auto-depreciação e regando minhas inseguranças com meu próprio sofrer. Espinhos formados de palavras que não proferi. Sou talo de rosa espinhosa, marcada pelas mágoas e rancores guardados e apertados com tanta força que marcam as palmas das minhas mãos com as cicatrizes de tentativas vãs de amar por dois.
   E de todas as certezas que tenho, a única coisa que ainda me impede de me afogar em mim mesmo é o egoísmo de não permitir que minhas próprias dores me sobreponham. É o orgulho tolo e vão de quem quer aparentar estar bem, apenas para não dar aos demônios de seu interior o gostinho doce de o sobrepujar. Apenas para ganhar o jogo contra as vozes que gritam dentro de mim. Por que eu não nasci para perder, nem para mim mesmo.
 Adolfo Rodrigues

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