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17:35 e o trânsito no pico. Buzinas para todos os lados e eu fantasiando um convite qualquer, um convite que envolva alguma das minhas músicas favoritas, ou que envolva um café com gim, ou que envolva um jazz com uma boa conversa, ou que envolva alguém. O sol queimando minha bochecha direita e eu fantasiando um convite que me envolva. Confiro o celular 9, 10, 11 vezes: nada. Eu também poderia convidar, mas ah... Todo mundo longe, deixa pra lá. Acabo ligando para mamãe, ela pergunta se estou bem e diz que me ama. Mamãe me ama do jeito dela de amar: me cuida, torce por mim e me dá suporte, ela me suporta muito. Eu aprendi a amar assim: suportando e dando suporte para as pessoas. O complicado é que, agora, inventei de descobrir o indescobrível: o amor não é feito só de tudo suportar. 

Vô, e aí, o que eu faço agora? Não sei se daí, de onde você está, dá para ficar lembrando as coisas, mas eu espero que se lembre do dia em que me disse "Karol, a vida vai te ensinar a amar". Lembra? Pois bem, acontece que a vida me ensinou errado. 

Ok, vamos tentar relembrar: tudo crê, tudo espera, tudo suporta, tudo... O quê mais? Eu creio, eu espero e eu suporto que é uma beleza, mas meu coração ainda tem espaço vazio. E aí? Alguém explica? Ai, ai, ai, meu coração, Vô. Eu vivi até agora achando que poderia amar a todos com o mesmo amor que amo a mamãe: amor suporte. Acontece é que mamãe não vai me aparecer às dez da noite com uma rosa em uma mão, me arrastando pela outra, me chamando para um jazz, para um blues, para um rock, para o raio que se parta em uma noite de lua cheia. Esse não é o tipo de amor dela e o  amor dela não é a única cara que o amor tem, só percebo isso agora. 

Só agora, só hoje me bateu à testa: o amor tem várias caras, e não foi a vida que me ensinou, Vô.  Fui eu mesma, enquanto comprava morangos. Estava comprando morangos, vi que todas as bandejas têm, pelo menos, um morango mofado. Eu amo morangos, mas estou farta de morangos mofados, estou farta desse verde doentio, guardado no fundo de alguma gaveta.  Não fui capaz de comprá-los, apesar de sempre tê-los aceitado assim: um ou dois mofados na bandeja, nunca inteira. Mas, não, agora cansei. Agora quero a outra cara do amor, mesmo do amor que tenho por morangos: o amor que, às vezes, não quer suportar tudo, quer ser suportado; o amor que, vez ou outra, não crê tudo, mas quer garantia, quer cena, quer grito de amor, quer desespero devocional; o amor que, nem sempre, quer esperar tudo, às vezes, quer tudo na hora, quer ser surpreendido de supetão, quer ser arrebatado. 

Eu respiro 15, 20 vezes e o mantra continua na minha mente: eu não vi tudo ainda, mas por quê? Eu quero ver tudo! Quero ver essa cara do amor, essa que aparece gentilmente e intensamente, um amor gentil e intenso, Vô, a vida não mostra para gente, é a gente que mostra para ela. É a gente que tem que segurar a mão do amor e sair correndo desvairadamente, sem medo. Sem medo de acabar amanhã, sem medo de falar o que não devia, sem medo de perder, sem vontade de ganhar, só sair correndo e o vento no rosto, e nada no bolso, e o amor do lado, e a gente ofegante, nada de respirar baixinho: respira alto! É para o mundo inteiro ouvir, os trancos e os barrancos, as borboletas mortas e os cachorros surdos: um amor gritado, ofegante, doido para viver, doido para existir, doido para envolver, doido. Nada de ser lento, nada de cautela, amor também pode ser desvairadamente cuidadoso: rápido, intenso, forte e inesgotável antes que esgote. O amor tem essa cara também, essa cara maratonista que não precisa de pausa. 

Nada disso a vida te conta, Vô. A vida te atropela, mas te quer parado esperando como um morango que passou do ponto: fica ali esperando, esperando, esperando e nada. Então, deixa eu te contar que o amor não é só essa paciência toda, Vô, se a gente só espera e suporta, a gente mofa inteirinho por dentro, fica mole. Verde e inacabado, mas podre. 

Ane Karoline 

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